Vayetzê

 

Nossa Parashá nos conta que nosso terceiro patriarca, Yaakov, saiu de Beer Sheva e foi para Haran.

 

No meio do caminho, a Parashá nos conta que ele “se encontrou com o lugar”, sem especificar qual era o lugar, e depois dormiu lá porque o Sol se pôs.

 

Vemos que depois disso ele continuou sua viagem até Haran, e concluímos que o “lugar” não era o lugar para o qual ele estava viajando, mas que era um lugar tão importante que todos o conheciam como “o lugar”, sem precisar especificar o nome dele.

 

Yaakov estava no meio do caminho entre a Terra Santa e Haran, e não havia lá nenhum lugar de destaque nesse caminho.

Então porque nesse caso a Parashá usa somente a palavra “o lugar” como se estivesse nos contando sobre o lugar mais importante do mundo?

A linguagem do versículo é “se encontrou com o lugar”, nos indicando que um foi ao encontro do outro. Como pode um lugar ir ao encontro de alguém?

 

E também, por que a Parashá tem que nos contar que “o Sol se pôs” e por isso ele dormiu lá, sendo que aparentemente isso é uma coisa óbvia?

 

Fugindo de Essav para Lavan

 

Os dois motivos pelos quais Yaakov teve que sair de Beer Sheva e ir para Haran foram o fato de Rifka ter ouvido que Essav estava esperando seu pai falecer para assassinar Yaakov, e também para Yaakov se casar com a filha de Lavan que não era menos perigoso do que Essav.

 

Por esses motivos Yaakov estava atordoado, e por isso, mesmo tendo passado próximo ao Monte Moriá que era o lugar mais sagrado do mundo, ele não parou lá para rezar.

 

Nossos Sábios nos contam que quando ele chegou no final da Terra Santa, a caminho de Haran, Yaakov se questionou e disse:

 

:– Como pode ser que eu passei pelo lugar sagrado e não parei para rezar lá?

 

Yaakov decidiu viajar de volta para o Monte Moriá, para rezar, e depois voltar para continuar sua viagem à Haran.

 

O “despertar de baixo” causa o “despertar de cima”

 

Diz o Zohar que quando “despertamos” para fazer uma coisa boa nesse nosso mundo aqui em baixo, causamos o “despertar de cima”.

 

Ou seja, quando você toma a iniciativa para fazer uma coisa boa aqui nesse mundo, você desperta a ajuda Divina que é sempre imensamente maior do que a iniciativa que tínhamos tomado.

 

E foi isso o que aconteceu com Yaakov. No momento em que ele tomou a iniciativa de viajar de volta para o Monte Moriá, o Sol se pôs milagrosamente.

 

Por isso o versículo diz que o Sol se pôs, sendo que nesse caso não seria uma coisa óbvia porque não era o horário de o Sol se pôr.

 

E não só isso, mas também D’us fez mais um milagre sobrenatural e sincronizou toda a Terra de Israel embaixo dele, na linguagem dos nossos Sábios “dobrou embaixo dele toda a Terra de Israel”.

 

Por isso D’us disse para ele no sonho profético que ele teve naquele lugar : – “A Terra que você está deitado sobre ela, para você eu vou dar, e para todos os seus descendentes”.

 

Ou seja, a Terra que ele estava deitado sobre ela era toda a Terra de Israel.

 

Nosso primeiro patriarca, Avraham, tinha instituído a reza de Shaharit, a reza da manhã.

 

Seu filho, Itzhak, instituiu a reza de Min’há, a reza da tarde.

 

E agora seu neto, Yaakov, institui a reza da noite, a reza de Arvit.

 

Ele queria ir ao Monte Moriá, mas D’us fez com que o Monte Moriá viesse até ele!

 

O segredo da escada de Yaakov

 

Yaakov adormeceu naquele lugar e teve um sonho profético. Nesse sonho ele viu uma escada apoiada na terra e essa escada chegava até o céu. Ele também viu que os anjos subiam e desciam por ela.

 

Quando o profeta Yeshaiahu (Isaías) descreve a profecia da “Merkavá”, da “Carruagem Divina” do mundo de Briá, e o profeta Yehezkel (Ezequiel) descreve a Profecia da Merkavá do mundo de Yetzirá, eles descrevem os anjos como sendo criaturas com asas representando que absolutamente eles não precisam de escadas para subir e descer.

 

Quando os anjos são citados em qualquer escritura Judaica eles também aparecem e desaparecem “voando”, sem nenhuma necessidade de terem escadas para subir e descer de qualquer lugar, e o principal, sem precisarem de asas também sendo que eles “voam” de uma dimensão para outra.

 

Então uma coisa aqui é óbvia, a escada que Yaakov viu no seu sonho profético não era uma escada de verdade.

A palavra escada na Parashá veio somente para nos mostrar o raciocínio que está por trás desse assunto, e nesse caso, como em vários outros assuntos na Torá, somos obrigados a desmaterializar o conceito.

 

Como por exemplo no caso da criação do ser humano. Quando a Torá nos conta que D’us fez um homem de terra e “soprou” nele uma Alma, isso vai diretamente contra o segundo dos Dez Mandamentos onde está explícito que nenhum conceito material se aplica à D’us.

 

Nesse caso, diz o Zohar, a palavra soprou aparece somente para nos mostrar o raciocínio que está por trás desse assunto e facilitar o nosso entendimento.

 

Quem sopra, diz o Zohar, sopra o que tem dentro, e a palavra soprou aparece no lugar da palavra colocou, para nos mostrar que a nossa Alma Divina é uma parte de D’us.

 

Ou seja, a primeira raiz dela é a Sefirá chamada de Ho’hmá do mundo de Atzilut.

 

Quando a Torá nos conta que D’us “cheirou” o cheiro agradável dos sacrifícios de Noa’h, e jurou que nunca mais iria trazer um dilúvio para a humanidade, aqui também a intenção não é a de que D’us “cheirou”, sendo que nenhum conceito material se aplica à Ele.

 

Então por que a Torá usa a palavra “cheirou” se referindo à D’us, se ele está infinitamente acima de qualquer conceito material?

 

Novamente para facilitar o nosso entendimento, a Torá nos traz o raciocínio que está por trás desse assunto.

 

Ou seja, quando Noa’h transformou o animal que é a coisa mais grotesca do mundo, em Mitzvá, em Trabalho Divino, essa atitude chegou até o nível espiritual mais elevado.

 

Soprou é o contrário de cheirou. Quando a Torá nos conta que D’us soprou a Alma, ela está dizendo que a nossa Alma Divina desceu do nível espiritual mais elevado ao mundo mais baixo.

 

Quando a Torá nos conta que D’us “cheirou” o cheiro “agradável” dos korbanot (sacrifícios), ela está dizendo que o korban, o sacrifício que Noa’h fez, subiu do mundo mais baixo para o nível espiritual mais elevado.

 

Em resumo, D’us não soprou e D’us não cheirou, mas a Torá usa essas palavras para facilitar o nosso raciocínio.

 

Aqui na nossa Parashá, quando a Torá nos conta sobre uma escada, a intenção da Torá também é a de facilitar o nosso raciocínio.

 

Ou seja, os anjos não precisam de escada nem para subir e nem para descer. Então por que a Torá usa a palavra escada? Para facilitar o nosso entendimento.

 

Diz o Zohar que a escada nesse caso é a Sefirá chamada de Mal’hut.

 

Ela é comparada a uma escada que liga o nosso mundo ao mundo superior.

 

Quando nos comportamos da maneira correta, estudamos Torá e cumprimos os Mandamentos Divinos, a Mal’hut sobe e se une a Sefirá chamada de Yessod que está acima dela.

 

A Yessod recebe a fartura e a abundância das Sefirót que estão acima dela e repassa para a Mal’hut e a Mal’hut transforma a abundância espiritual em bens materiais.

 

Um exemplo para isso é uma mãe que após comer um jantar de Shabat completo, com vinho, pão, peixe e saladas, carne com batata, sucos e sobremesa, transforma tudo isso em leitinho para o nenê

 

Se ela desse todo esse jantar de Shabat para o nenê do jeito que foi oferecido para ela, o nenê simplesmente morreria de fome.

 

Não por causa da qualidade desses alimentos, mas por causa da incapacidade do nenê em relação a esse nível de alimentação

 

Então a mãe come toda essa comida, transforma ela em leitinho e depois dá de mamar para o nenê, e só assim ele consegue assimilar esse “jantar de Shabat” e crescer saudável.

 

Mas quando nosso comportamento decai, quando não encontramos mais tempo para estudar Torá e perdemos o interesse em cumprir os Mandamentos Divinos, enfraquecemos a Mal’hut lá em cima, e ela cai ao nível dos setenta anjos responsáveis pelos setenta povos que vem “mamar” da Mal’hut no nosso lugar.

 

Esses anjos pertencem ao lado impuro, e eles tem uma cota de vitalidade pré-determinada para repassar aos povos pelos quais eles são responsáveis.

 

Esses anjos estão na função de intermediários entre a fartura repassada pela Mal’hut e o povo que cada um deles representa.

 

Cada um deles serve como um “deus” para aquele povo que é representado por ele.

 

Quando a Mal’hut baixa de nível devido ao nosso comportamento ela desce ao nível deles.

 

Quando isso acontece eles acessam à ela, conseguem sugar a abundância Divina que estava guardada para nós e repassá-la para os povos aos quais eles são responsáveis.

 

E esses anjos, diz o Zohar, foram os anjos que Yaakov viu “subindo” por aquela escada. Primeiro subindo, sendo que o nível deles é baixo e eles só conseguiram subir devido a “queda” da Mal’hut.

 

Yaakov também viu que quando fazemos Teshuvá, voltamos para o bom caminho, encontramos tempo para estudar Torá e voltamos a cumprir os Mandamentos Divinos, a Mal’hut sobe novamente.

 

Então esses anjos que são chamados de “Sarim” (ministros), porque eles governam os povos do mundo, são obrigados a descer para não se desintegrarem com a subida do Mal’hut para o nível espiritual mais elevado.

 

E por isso Yaakov viu que os anjos que no começo estavam subindo naquela “escada”, depois estavam descendo.

 

Ele viu o ciclo dos “Sarim” e entendeu que D’us revelou tudo isso para ele porque agora que ele estava saindo da casa dos seus pais para dar origem ao nosso povo D’us mostrou para ele a responsabilidade que estava nas mãos dele e que posteriormente estaria nas nossas mãos.

 

As setenta faces da Torá

 

Encontramos outras explicações para essa passagem da Torá. Uma explicação não anula a outra, mas somente acrescenta mais detalhes à ela.

 

Rashi explica que nessa sincronização da Mal’hut também subiram os anjos que acompanhavam Yaakov da Terra Santa e desceram anjos de outra categoria para acompanhá-lo fora da Terra Santa.

 

Rabi Yeshaiau (Isaías) Horovitz (1565 – 1630) escreveu o livro chamado “Shnei Luhot a Brit” conhecido por suas iniciais “Shla”.

 

Em seu livro ele explica que os Anjos que estavam subindo para o céu eram os Anjos Refael e Gavriel, anjos do primeiro escalão, que levaram uma “suspensão” do tribunal Divino e ficaram na Terra desde a época do nosso primeiro patriarca Avraham até a “escada de Yaakov”.

 

Quando nosso patriarca Avraham fez o “Brit Milá”, a circuncisão, com 99 anos, os anjos Mihael, Refael e Gavriel vieram visitá-lo.

 

Saindo da tenda de Avraham, Mihael voltou para o céu, Gavriel foi destruir Sodoma e Gomorra, e Refael foi com ele para salvar Lot e sua família.

 

Chegando em Sodoma, Gavriel e Refael disseram aos seus habitantes que eles vieram destruir a cidade.

 

Eles achavam que dessa forma estavam fazendo a vontade Divina.

 

Ou seja, como pode ser que D’us que é a essência do bem mandou eles fazerem uma destruição dessas?

 

Mas na verdade eles estavam fazendo contra a vontade Divina, sendo que se eles dissessem que foi D’us quem mandou eles para destruírem a cidade, talvez aquelas pessoas tivessem feito Teshuvá, voltado para o bom caminho, como aconteceu posteriormente em Nínive na época do profeta Yona (Jonas).

 

Por terem feito contra a vontade Divina, esses Anjos receberam uma suspensão, foram obrigados a ficar nesse mundo, e só puderam voltar para o céu naquela revelação da Mal’hut que foi a “escada de Yaakov”.

 

Estamos falando sobre anjos do lado puro, anjos do lado bom. Não se trata do anjo da morte e suas ramificações ou outras categorias diferentes de anjos do lado impuro que não vão mais existir depois da Gueulá como os “setenta Sarim”, os anjos responsáveis pelos setenta povos.

 

Esses Anjos do “primeiro escalão” são anjos do lado bom. Eles são os Anjos do mais alto nível, Anjos do mundo de Briá onde o bem e o mal não se misturam, e, portanto, eles não tem o livre arbítrio.

 

Eles não têm nenhuma inclinação para fazer o mal. Eles não precisam optar entre fazer o bem fazer ou o mal, sendo que eles não têm o lado mal e nem a má inclinação conhecida como “yetzer a rá”.

 

Então como podem eles terem feito algo contra a vontade Divina?

 

Diz o Rebe, eles fizeram contra a vontade Divina achando que estavam fazendo a vontade Divina, fizeram um erro de avaliação.

 

Como pode ser que esses Anjos chamados de Serafim que são os Anjos principais, fazem um erro de avaliação?

 

Por que tudo o que D’us criou não é perfeito?

 

No término dos seis dias da criação a Torá nos conta que “D’us abençoou o sétimo dia e o santificou porque nele cessou todo o trabalho que D’us criou para fazer”.

 

Se D’us terminou todo o trabalho da criação, por que aparece no final do versículo a palavra “para fazer”? Diz o Midrash que a intenção de “para fazer” é para fazer um conserto, para consertar.

 

O Midrash nos conta que tudo o que D’us criou não é perfeito e até mesmo os Anjos do “primeiro escalão” podem fazer contra a vontade Divina por meio de um erro de avaliação causado pela imperfeição de tudo o que foi criado por D’us.

 

E esse é o nosso trabalho aqui nesse mundo, isso D’us deixou para nós. Vivemos neste mundo para nos refinar.

 

Estamos aqui para trabalhar continuamente o nosso intelecto e os nossos sentimentos, e pouco a pouco chegar à essa perfeição que D’us deixou intencionalmente para nós.

 

D’us fez o mundo dessa forma para que tenhamos o mérito de participar da criação do mundo junto com Ele, o mérito de termos feito a parte final da criação, a parte principal!

 

 

 

Shabat Shalom
Rabino Gloiber
Sempre correndo mas sempre rezando por você